Superindividamento - Projeto de Lei 3.515/2015 - texto do colaborador Gabriel Dias


 

PROJETO DE LEI 3.515/2015

Gabriel Dias


O Projeto de Lei do Superendividamento é uma possibilidade segura para o Brasil no pós-pandemia, de maneira a evitar o litígio, desafogar o Judiciário e promover a segurança jurídica nas relações de consumo.

Também, vale a pena destacar as alterações previstas pelo PL 3515/2015, o qual prevê um fomento das ações que visem à educação financeira e ambiental dos consumidores, tal alteração e acréscimo é importante, pois é necessário não somente aos consumidores superendividados, mas a todos os consumidores e cidadãos para que estejam mais ciente de seus e de um consumo plausível para o decorrer de suas vidas.

A prevenção e o tratamento do superendividamento para se evitar a exclusão social do consumidor é uma das formas de garantir o consumo sustentável e fazer com que o impacto negativo na vida do consumidor seja reduzido, já que sua exclusão social só piorará mais ainda sua vida e sua relação social no geral.

A prevenção e tratamento extrajudicial e judicial do superendividamento e de proteção ao consumidor, inclusive com a instituição de núcleos de conciliação e mediações de conflitos oriundos de superendividamento, tal medida será muito importante, pois trará maior celeridade ao se resolver as relações consumeristas com um tratamento mais individualizado a cada caso.

Ademais, tais núcleos irão contar com profissionais mais preparados e qualificados para tratarem dessas questões específicas e que precisam ser tratadas com uma análise diferenciada aos casos concretos, principalmente pois estará sendo lidado com um público mais simples, já que não será necessária a presença de um advogado ou procurador que as represente e também se buscará uma forma conciliadora para lidar com os problemas.

Há previsão expressa e um cuidado geral quanto à educação financeira, visando sempre preservar a garantia do mínimo existencial, utilizando-se a revisão, repactuação da dívida e outras medidas caso sejam necessárias. Outro fator muito importante, pois consigna que deverá ser observado e sempre garantido o princípio do mínimo existencial, o qual já foi discorrido no presente trabalho e demonstrada sua importância latente na questão consumerista.

Tais medidas, complementam-se com os núcleos de conciliação e mediação para resolverem e prepararem planos para uma forma mais eficaz de “salvar” o superendividado e fazer com que não persista nos erros que o levaram a referida situação em que se encontrava anteriormente.

Com a repactuação de dívidas e concessão de crédito alinhado com um plano efetivo e bem sucedido ao consumidor, agrega tanto ao consumidor pois poderá continuar consumindo e ao mercado em geral, já que terá seu débito adimplido e também o consumidor irá voltar a fazer compras e permanecer ativo no mercado, mantendo-o ativo e não tendo uma recessão futuramente devido à maioria dos cidadãos estarem atolados em dívidas e incapacitados de consumirem.

O Projeto também acrescenta ao rol de publicidade abusiva acrescentando ao artigo 37, §2°, incisos I e II:

 

“§ 2º É abusiva, entre outras, a publicidade:

I - discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança ou desrespeite valores ambientais, bem como a que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança;

II - que contenha apelo imperativo de consumo à criança, que seja capaz de promover qualquer forma de discriminação ou sentimento de inferioridade entre o público de crianças e adolescentes ou que empregue criança ou adolescente na condição de porta-voz direto da mensagem de consumo.”

 

Desta forma, aumenta ainda mais a regulação e o controle das publicidades feitas pelas empresas, garantindo também que sejam respeitados os direitos dos consumidores não se aproveitando de suas superstições e medos, nem fazendo uso de crianças ou adolescentes como porta-voz das propagandas.

Ainda, ressalta-se que são nulas as cláusulas que imponham limitação ou condicionamento dos consumidores ao Poder Judiciário, assim como as que forcem uma renúncia a impenhorabilidade de bem de família do consumidor ou do fiador, tal questão é muito importante para o desenrolar da vida do consumidor e de seu fiador, já que assim é uma forma de garantir o mínimo existencial, um dos princípios mais observados e protegidos do Direito do Consumidor no século XXI.

Logo, garantirá o direito dos consumidores ao acesso à justiça sem limitações feitas anteriormente com as empresas e também protege o direito à impenhorabilidade do bem de família, não se podendo fazer com que o consumidor perca uma importante proteção judicial sem um auxílio de especialista ou procurador que entenda os efeitos e as consequências de limitação de seus direitos.

Continuando a discorrer sobre as inovações do PL 3515/2015, não se pode ficar sem mencionar que é cláusula abusiva considerar o simples silêncio do consumidor como aceitação de valores cobrados ou de alterações contratuais que lhe prejudique ou qualquer tipo de limitação assegurado pelo Código de Defesa do Consumidor aos consumidores domiciliados no Brasil. Essas inclusões ajudam e garantem ainda mais a eficácia do diploma consumerista, afastando outros diplomas que limitem ou diminuam seus direitos em relações negociais realizadas pelos consumidores que estão domiciliados no Brasil.

Além disso, retirar a máxima de que o silêncio é considerado como aceitação será um fator importante para as inovações realizadas e para um futuro ao Códex, e aos processos judiciais, portanto todas as alterações e valores cobrados devem ter uma concordância expressa do consumidor para que sejam feitas alterações ou cobrados valores a mais. 

 

 Da Conciliação no Superendividamento

 

O PL 3515/2015, prevê o acréscimo do artigo 104-A ao Código de Defesa do Consumidor e consequentemente a realização de uma audiência conciliatória, caso o consumidor superendividado requeira o juiz poderá instaurar um processo de repactuação de dívida, trazendo eficácia e concretizando uma atuação mais forte da conciliação e de uma resolução judicial.

Nessa audiência, serão reunidos todos os credores do consumidor, onde será apresentado um plano de pagamento dos débitos com um prazo máximo de 5 (cinco) anos, devendo ser preservado o mínimo existencial, as garantias e as formas de pagamento originalmente pactuadas.

Um ponto que deverá ser observado é como será a dinâmica para chamar todos os credores e a efetivação concreta do plano e seu adimplemento, principalmente em Comarcas menores e de regiões interioranas, onde não se têm a mesma estrutura e funcionamento de capitais e cidades mais desenvolvidas.

Nessa repactuação serão excluídos os débitos alimentares, fiscais, parafiscais e os oriundos de contratos celebrados dolosamente sem o propósito de realizar o pagamento, bem como as dívidas oriundas dos contratos de crédito com garantia real, dos financiamentos imobiliários e dos contratos de crédito rural.

Com a previsão da retirada dos débitos celebrados dolosamente sem o propósito de serem adimplidos, excluem-se os débitos pactuados com má-fé do superendividado e consequentemente privilegia os consumidores de boa-fé que são os objetos alvos do Projeto de Lei.

Porém, a exclusão de débitos alimentares, fiscais, parafiscais e das dívidas oriundas dos contratos de crédito com garantia real, dos financiamentos imobiliários e dos contratos de crédito rural, podem afetar muito o plano realizado para os pagamentos dos débitos, devendo ser feito um parênteses em tal questão e observar tais débitos ao serem feitos os planos, já que se não for observado

No plano de pagamento irão constar: medidas de dilação dos prazos de pagamento e de redução dos encargos da dívida ou da remuneração do fornecedor, entre outras destinadas a facilitar o pagamento das dívidas; referência à suspensão ou extinção das ações judiciais em curso; data a partir da qual será providenciada a exclusão do consumidor de bancos de dados e cadastros de inadimplentes e; condicionamento de seus efeitos à abstenção, pelo consumidor, de condutas que importem o agravamento de sua situação de superendividamento.

Com tais medidas, se buscará com que o superendividado tenha o mínimo existencial garantido (com a redução dos encargos, dilação de prazo, exclusão do consumidor de bancos de dados e cadastros de inadimplentes) e que consiga adimplir com todas as suas despesas, ainda o consumidor não poderá agravar a situação em que se encontra, pois os efeitos do plano de pagamento está condicionado ao comportamento do consumidor e sua seriedade em pactuar e realizar o acordado.

As alterações previstas, preveem também que os órgãos públicos integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor a competência para fazer a fase conciliatória e preventiva do processo de repactuação de dívidas, devendo ser respeitado o disposto no artigo 104-A.

   Prevenção e Tratamento do Superendividamento

 Nas disposições expressas do PL 3515/2015, está inclusa a definição do que se entende por superendividamento e a exclusão dos superendividados que se encontram nessa situação por utilizarem da má-fé para ficarem endividados.

Além disso, prevê maiores informações com mais detalhes ao consumidor, para que saiba efetivamente as taxas de juros e o custo total de sua compra, inclusive com o valor gasto com financiamento e sem o financiamento.

Ainda, fica expressamente proibido que seja realizado o assédio ou que o consumidor seja pressionado à contratar o fornecimento de produto, serviço ou crédito, inclusive a distância, por meio eletrônico ou por telefone, principalmente se se tratar de consumidor idoso, analfabeto, doente ou em estado de vulnerabilidade agravada ou se a contratação envolver prêmio, pois já são consumidores que estão em uma desvantagem (hipossuficientes) e também essa pressão leva à um consumo desnecessário e vai contra a ética consumerista, já que é uma maneira forçosa de vender o produto.

Importante ressaltar, que a inovação na legislação irá obrigar as empresas à fornecerem mais informações, as quais deverão ser mais detalhadas e objetivas quanto aos gastos efetivos que o consumidor venha a ter em casos de inadimplemento e nas parcelas pagas.

Também, é previsto uma maior responsabilidade das empresas que fornecem serviços e produtos para que avaliem a capacidade e as condições do consumidor conseguir efetivar a compra e adimplir os débitos contraídos, sendo obrigatória a entrega da cópia do contrato, para que seja mais fácil observar o pacto contraído.

No geral, a proposta é atualizar o Código de Defesa do Consumidor para permitir que o devedor superendividado de boa-fé tenha condições de negociar com mais de um credor pela elaboração de um esquema para o pagamento, preservando o mínimo existencial.

Caso essa negociação não seja exitosa, então abre-se um processo para aprovação de um plano de pagamento que será compulsório.

Além disso, propõe uma mudança do paradigma para o chamado "crédito responsável", com a tentativa de especificar o que é a boa fé e práticas positivas como entrega de cópia do contrato, informação correta de termos e uso de publicidade de modo a impedir que o consumidor seja enganado por ofertas falsamente vantajosas.

O modelo adotado no projeto de lei pode ser considerado equilibrado e até favorável aos credores, pois tem como inspiração o modelo francês, que se baseia em três pilares: boa-fé, preservação do mínimo existencial e planejamento de pagamento.

O outro modelo em exercício no mundo é o americano, mais liberal economicamente falando, que consiste em uma segunda chance de o consumidor se reintegrar, voltar a fazer compras e impulsionar a economia. É o modelo que prevê o perdão da dívida.

Do lado da prevenção, por exemplo, o projeto estabelece que é um direito básico do consumidor a garantia de crédito responsável e a preservação do mínimo existencial, como moradia e alimentação. Também impõe que os bancos informem com antecedência e de forma clara todos os custos envolvidos na tomada de crédito, como taxa mensal de juros e outros encargos, o número de parcelas e a validade da oferta.

A proposta também considera que são abusivos contratos que entendam o silêncio do consumidor como consentimento e digam que a instituição pode oferecer empréstimos sem consultar serviços de proteção ao crédito ou sem avaliar a capacidade de pagamento do consumidor.

Já para tratar o superendividado, a proposta prevê regras para que haja uma conciliação extrajudicial entre as partes e, se for preciso, uma espécie de recuperação judicial da pessoa física, como já existe para as empresas.

É preciso olhar para as dívidas de forma sistêmica e coordenar, todas as renegociações com os credores, sendo a partir disso, realizada uma audiência de conciliação extrajudicial, a qual é a proposta do projeto de lei.

 

  Conclusão

 Em relação ao superendividamento e a possibilidade de alteração legislativa conclui-se que:

O problema do superendividamento não é recente e que só vem aumentando ao longo do tempo e que as espécies e causas dos superendividados são bem diferentes, sendo ocasionados de maneiras diversas.

De um lado, os superendividados ativos e de outro os passivos, devendo ser exposto que somente os superendividados passivos e superendividados ativos inconscientes receberão ajuda da nova legislação proposta (PL n° 3.515/2015), já que se tornaram superendividados por ocorrência de uma situação inesperada que contraíram os débitos por boa-fé.

Vale consignar que o grande problema é o abuso da concessão de crédito desenfreada e o mal uso do crédito concedido, além dos juros abusivos cobrados ao se conceder o crédito ao consumidor.

Tal situação vai ficando cada vez maior e acaba por gerar problemas paralelos, como brigas familiares, estresse financeiro acarretando em perda de autoestima, crises de ansiedade e um distanciamento familiar.

Com a situação exposta supra, acaba por afetar o princípio fundamental da sociedade pós 2ª Guerra Mundial que é o princípio da Dignidade da Pessoa Humana, pois os superendividados e consequentemente seus dependentes acabam por sofrer uma limitação das necessidades básicas (saúde, educação básica e a satisfação de necessidades essenciais, como moradia e alimentação).

É uma situação crítica de dívidas, onde é necessário reconhecer um reflexo triste de uma série de comportamentos. É bem verdade que toda uma realidade pode ser completamente revirada por conta de emergências e imprevistos, mas isso não é a regra.

Sendo primordial assumir a responsabilidade pela situação e mudar o comportamento de forma definitiva, precisa-se de uma educação financeira mais abrangente, que os consumidores se conscientizem de que não se pode comprar usando o crédito indiscriminadamente, que é necessário uma ajuda profissional de advogados ou uma consultoria financeira, portanto é parte da solução ao se prever um consumo consciente e duradouro.

Vive-se em um país cujos juros bancários ao consumidor, são elevadíssimos, devendo ser evitado ao máximo dívidas longas e a comodidade das modalidades de crédito mais acessíveis, sendo um bom começo para evitar o que descrevemos com o estudo em tela.

Caso o PL n° 3.515/2015 seja aprovado, existem grandes expectativas para que seja uma forma de promover a segurança jurídica nas relações de consumo, fornecer um tratamento mais humanizado e especializado para as questões envolvendo superendividamento e indivíduos superendividados.

Principalmente com o advento dos núcleos de conciliação que estão previstos, além da previsão de repactuação de dívidas e formas facilitadoras para os superendividados conseguirem adimplir seus débitos, sem terem que sacrificar os princípios da Dignidade da Pessoa Humana e o mínimo existencial.

Inclusive, os conflitos serão solucionados com maior celeridade, algo que é muito importante para os superendividados e para os credores, pois terão o recebimento do crédito de forma mais ágil do que provavelmente teriam pela via judicial, desta forma irá fomentar ainda mais a economia do país.

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