ALIENAÇÃO PARENTAL


 

ALIENAÇÃO PARENTAL – REVOGAÇÃO OU ALTERAÇÃO?

 

PARENTAL ALIENATION - REVOCATION OR AMENDMENT?

 

KARYNNE PIRES SANTOS[1]

NATALIA MARIA VENTURA DA SILVA ALFAYA[2]

 

 

RESUMO

 

O presente estudo busca explanar acerca da Lei n. 12.318/2010 – Alienação Parental. Tem como objetivo apresentar os principais aspectos jurídicos da Lei, demonstrando tipos de alienação e sujeitos, suas causas e as dificuldades em evitar a alienação. Há necessidade de informar a sociedade e divulgar sobre as sequelas provenientes da alienação. A pesquisa será feita de forma aplicada, considerando os conhecimentos adquiridos por meio da pesquisa bibliográfica. Tem, ainda, a finalidade de identificação do problema da não efetividade da lei, sua classificação e de sua definição, constituindo o primeiro estágio da pesquisa. Como também aclarar sobre os Projetos de Leis que atualmente tramitam, com o intuito de revogar ou alterar a Lei n. 12.318/2010.

 

Palavras-chaves: Alienação parental; Família; Revogação.

 

ABSTRACT

 

This study seeks to explain about Law No. 12,318/2010 - Parental Alienation. It aims to present the main legal aspects of the Law, demonstrating types of alienation and subjects, their causes and difficulties in avoiding alienation. There is a need to inform society and disclose the sequelae arising from the alienation. The research will be done in an applied way, considering the knowledge acquired through bibliographic research. It also has the purpose of identifying the problem of non-effectiveness of the law, its classification and its definition, constituting the first stage of the research. As well as to make clear about the Draft Laws that are currently being processed, in order to repeal or amend Law No. 12.318/2010.

 

Keywords: Parental Alienation; Family; Revocation.

 

INTRODUÇÃO

 

A alienação parental é a própria interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente, que além dos genitores poderá ainda ser promovida pelos avós ou demais pessoas que tenham sobre a criança sua autoridade, guarda ou vigilância a fim de repudiar um dos genitores.

Isso pode ser vislumbrado nas palavras de Maria Berenice Dias (apud FIGUEIREDO; ALEXANDRIDIS, 2014, p. 54), "nesse jogo de manipulações, todas as armas são utilizadas inclusive a assertiva de ter havido abuso sexual, o filho é convencido da existência de determinados fatos e levado a repetir o que lhe é afirmado [...]".

O termo Síndrome de Alienação Parental (SAP) é um termo cunhado por Richard A. Gardner no início de 1980 para se referir ao que ele descreve como um distúrbio no qual uma criança, numa base contínua, deprecia e insulta um dos pais sem qualquer justificativa. Segundo ele (GARDNER, 1985, p. 3-7), a necessidade de nomeação da situação de alienação parental como síndrome se impôs devido à frequência com que se deparava com esse tipo de problema nos tribunais.

Quanto à legislação, a Lei nº 12.318/10 conceitua a alienação parental em seu artigo 2º, onde assim dispõe:

Art. 2º “Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este. ”

Pode-se ainda exemplificar a prática da alienação parental dentro do mesmo diploma legal acima descrito por meio de seus incisos como:

I - realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade;

II - dificultar o exercício da autoridade parental;

III - dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;

IV - dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;

V - omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;

VI - apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente;

VII - mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.”

O estudo busca expor a partir das legislações, artigos doutrinários, súmulas e pontos fortes (eficaz) e os frágeis (ineficaz), descrevendo-os a partir dos artigos a serem citados no corpo do trabalho elucidado, assim, o que Figueiredo e Alexandridis salientam quanto a prática da alienação parental, que “[...] ocorre por meio da atuação de um dos genitores. [...] por qualquer meio diminuir, desqualificar a atuação do outro genitor [...]” o que gera na criança situações conflituosas.” (2014, p. 54/55).

A necessidade de estudarmos a legislação em questão é demonstrar que se trata de um assunto que há anos permeia em nossa sociedade, e, assim, possa beneficiar não somente as vítimas, mas ainda como um instrumento de caráter informativo e social à comunidade.

Vislumbra-se a importância de explanar a prática da alienação parental e analisar de onde decorre. Geralmente, muitas das situações advêm da separação imatura dos genitores que repassam seus ressentimentos, pois para Maria Berenice Dias (apud FIGUEIREDO; ALEXANDRIDIS, 2014, p. 48), um dos cônjuges não consegue lidar com a separação, surgindo um desejo de vingança para com o ex parceiro. Assim, veremos que é com intuito de resguardar a integridade plena da criança que atua a legislação em questão.

Conforme os doutrinadores Figueiredo e Alexandridis, diante de tais situações o genitor(a) vitimado(a) poderá propor uma ação autônoma para discutir e a reparação do mal causado pela alienação parental (2014, p. 96).

Nesse mesmo pensar, os doutrinadores acima citados, ressaltam ainda que por se trata de uma situação complexa, a alienação parental requer as cautelas de um estudo multidisciplinar a fim de configurar sua prática e devido tratamento; dispondo ainda que “[...] a caracterização da alienação parental ocorrerá, na maioria das situações, após a definição da guarda do menor, e diante do encerramento do processo que deu ensejo a ruptura da união do casal [...]” (FIGUEIREDO; ALEXANDRIDIS, 2014, p. 96).

Portanto, é diante do contexto ilustrado que se apresenta a necessidade de uma análise do tema, da eficácia das legislações e atuações dos profissionais que regem e atuam diante da alienação parental já que parte de todos a proteção contra tal prática.

Vários projetos de lei tramitam com a função de revogar ou alterar a Lei n. 12.318/2010, uma das justificativas, discorre que a lei tem servido como instrumento para que pais que abusaram sexualmente dos seus filhos possam exigir a manutenção da convivência com estas crianças, inclusive as retirando da presença das mães.

Diante disso, abordaremos o tema, analisando a necessidade da revogação ou a alteração de artigos com o intuito de assegurar o direito de proteção ao menor.

                                                                                                                                                          

1 ALIENAÇÃO PARENTAL

 

1.1 Conceituação

 

A Síndrome de Alienação Parental é um transtorno psicológico que se caracteriza por um conjunto de sintomas pelos quais um genitor, denominado cônjuge alienador, transforma a consciência de seus filhos, mediante diferentes formas e estratégias de atuação, com o objetivo de impedir, obstaculizar ou destruir seus vínculos com o outro genitor, denominado cônjuge alienado, sem que existam motivos reais que justifiquem essa condição. Termo criado por Richard Gardner, em 1985.

Em outras palavras, é um processo que consiste em programar uma criança para odiar um de seus genitores, sem justificativa, de modo que a própria criança ingressa na trajetória de desconstituição desse mesmo genitor. (TRINDADE, 2010, p.196).

A situação que desencadeia a Síndrome de Alienação está relacionada com a separação e o divórcio, mas traços de comportamento alienante podem ser identificados no cônjuge alienador durante os anos tranquilos de vida conjugal.

Dessa maneira, podemos dizer que o alienador educa os filhos no ódio contra o outro genitor, seu pai ou sua mãe, até conseguir que eles, de modo próprio, levem a cabo esse rechaço.

Acreditava-se que a Síndrome de Alienação Parental fosse uma condição psicológica que envolvesse uma percepção equivocada do pai ou da mãe (alienador ou alienado). Essa noção se ampliou e hoje se reconhece que pode envolver parentes, tais como avós, tios ou irmãos, vizinhos, professores e profissionais de saúde.

 

 

 

 

1.2 Consequências e Sequelas

 

A Alienação Parental é uma condição capaz de produzir diversas consequências nefastas, tanto em relação ao cônjuge alienado como para o próprio alienador, mas seus efeitos mais dramáticos recaem sobre os filhos.

Produz sequelas que são capazes de perdurar para o resta da vida, pois implica comportamentos abusivos contra a criança instaura vínculos patológicos, promove vivências contraditórias da relação entre pai/mãe e cria imagens distorcidas das figuras paterna e materna, gerando um olhar destruidor e maligno sobre as relações amorosas em geral.

Sua detecção costuma ser difícil e demorada, muitas vezes somente percebida quando a Síndrome de Alienação já se encontra em uma etapa avançada, os efeitos prejudiciais que a Síndrome pode provocar nos filhos variam de acordo com a idade da criança, com as características de sua personalidade, com o tipo de vínculo anteriormente estabelecido, e com sua capacidade de resiliência, além de inúmeros outros fatores, alguns mais explícitos, outros mais ocultos.

As sequelas podem aparecer na criança sob forma de ansiedade, medo e insegurança, isolamento, tristeza e depressão, comportamento hostil, falta de organização, dificuldades escolares, baixa tolerância à frustração, irritabilidade, enurese, transtorno de identidade ou de imagem, sentimento de desespero, culpa, dupla personalidade, vulnerabilidade ao álcool e às drogas, e, em casos mais extremos, ideias ou comportamentos suicidas.

Por isso, o quanto antes for detectada a Síndrome e quanto mais cedo ocorrerem as intervenções psicológicas e jurídicas, menores serão os prejuízos causados e melhor o prognóstico de tratamento.

O comportamento de um alienador pode ser muito criativo, sendo difícil oferecer uma lista fechada dessas condutas. Entretanto, algumas delas são bem conhecidas:

ü   Apresentar o novo cônjuge como novo pai ou nova mãe;

ü   Desqualificar o outro cônjuge para os filhos;

ü   Impedir a visitação;

ü   Ocupar os filhos no horário destinado a ficarem com o outro genitor;

ü   Falsas denúncias de abuso físico, emocional ou sexual;

ü   Provocam discussões com os ex-parceiro na presença dos filhos;

ü   Impedem que os avós ou pessoas próximas do (a) genitor(a) se aproximem dos filhos;

ü   Alteram números de telefones de contato para impedir o contato do genitor (a) com o filho;

Os alienadores se “apossam” da vida do menor como se fosse somente deles, pois querem crer que os estariam defendendo e preservando do outro genitor.

Salienta-se que esses aspectos isoladamente não contribuem para confirmar a alienação parental, mas sim ações conjuntas e reiteradas, chegando a ocasionar raiva, mágoa, sequelas e falsas memórias na criança.

Além disso, existem as consequências na relação deste filho com os genitores; uma crise de lealdade entre ambos, na qual o afeto por um é entendido como uma traição pelo outro, o que faz com que a criança, muitas vezes, comece a contribuir para a campanha de desmoralização do genitor alienado.

 

2. FAMÍLIAS ATUAIS

 

2.1 Modelos de famílias onde podem ocorrer a Alienação Parental

 

O conceito de família vem evoluindo no ordenamento jurídico em decorrência das mudanças sociais, atualmente a família é concebida não só por laços de consanguinidade, mas também por afeto e solidariedade mútua.

A família tradicional composta por pai, mãe e filho, onde mais ocorre casos de alienação.

 A monoparental formada por qualquer um dos pais e seus filhos, tem origem na viuvez, quando da morte de um dos genitores, na separação dos pais, na adoção por pessoa solteira também faz surgir um vínculo monoparental entre adotante e adotado.

Anaparental é aquela baseada no afeto familiar, sem a presença de pais. Relação que possui vínculo de parentesco, mas não possui vínculo de ascendência e descendência, como por exemplo: dois irmãos que residam juntos ou primos que residam na mesma casa, a referida espécie de família está disciplinada no artigo 69, caput, do Projeto do Estatuto das Famílias:

Art. 69. As famílias parentais se constituem entre pessoas com relação de parentesco entre si e decorrem da comunhão de vida instituída com a finalidade de convivência familiar.

Família multiparental esse tipo de família é aquela formada dos componentes oriundos de outras famílias já formadas anteriormente, ou seja, por exemplo o casal que se separa e após forma nova família como os filhos da primeira união e da segunda união, sendo todos os filhos irmãos tanto bilaterais quanto unilaterais. Está definida no artigo 69, § 2° do Projeto do Estatuto das Famílias.

Homoparentalidade são casais que decidem assumir uma relação homoafetiva e desejam formar uma família, via de regra, adotam uma criança para que seja formada a referida família.

Há também a família coparental, cujos pais se encontram apenas para ter filhos, de forma planejada e responsável, para criá-los em sistema de cooperação mútua, sem relacionamento conjugal ou sexual entre os pais.

Foram tantas as mudanças que houveram alterações no direito de família, advindas da Constituição Federal de 1988 e do Código Civil de 2002, demonstram e ressaltam a função social da família no direito brasileiro.

 

2.2 Alienação com idosos e jovens

 

A Lei 12.318/2010 no seu artigo 2° dispõe que ato de alienação parental é a interferência na formação psicológica da criança ou adolescente e no artigo 3° cita que o ato fere o direito fundamental da criança e adolescente, mas o idoso e o jovem também podem ser sujeitos da alienação.

Adriane Donadel, ensina que “a constitucionalização do direito privado é caminho inevitável que leva à obrigatória releitura do Código Civil, das leis especiais e de todo o ordenamento jurídico à luz dos preceitos da Constituição” (DONADEL, 2003, p.09).

Para que o ato de alienação seja estendido ao idoso e ao jovem, necessita-se fazer uma interpretação constitucional apropriada, porque a identificação de pessoas em condição de vulneráveis não pode ficar restrita somente com base no Estatuto da Criança e Adolescente (Lei 8.069/1990), no Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003) e no Estatuto da Juventude (Lei 12.852/2013) e sim na fonte maior do ordenamento jurídico brasileiro que é a Constituição Federal.

O idoso e o jovem por se tratarem de pessoas na maioridade, salvo o jovem (pessoa entre 15 a 29 anos) que ainda não tiver atingido a sua maioridade, em razão de terem atingido a plena capacidade para os atos civis. O exercício da autoridade parental continuada, após a maioridade é recorrente principalmente em casos onde há alimentos. Prova disso, é uma das frases clássicas ditas pelos genitores aos filhos na maioridade: “enquanto eu pagar as tuas contas, quem manda em ti sou eu”.

No caso do idoso que acaba ficando sob os cuidados de um dos filhos ou de um familiar qualquer, e este, na condição de cuidador, pode promover ou induzir para que o idoso repudie o outro familiar ou causar prejuízo à convivência familiar.

Portanto se por algum motivo injustificado for dificultada ou impedida a convivência familiar, a Lei 12.318/2010 deverá ser estendida ao idoso e ao jovem e aplicado ao alienador o rol estampado nos incisos do artigo 6°.

A possibilidade de ser estendida a Lei de Alienação Parental ao idoso e ao jovem é uma das formas de assegurar a proteção garantida à convivência familiar deles com os demais familiares. A convivência familiar deve ser preservada e cuidada, essa é uma das formas de respeitar o preceito consubstanciado no Capítulo VII do Título VIII da Constituição Federal de 1988, plena proteção integral para proteger o idoso e o jovem, além do adolescente e da criança.

 

3. LEI N. 12.318/2010

 

O projeto de lei foi apresentado na Câmara dos Deputados pelo Deputado Régis de Oliveira, sob n. PL 4.053/2008 e tramitou no Senado Federal sob n. PLC 20/2010, tendo sido aprovado em decisão terminativa da Comissão de Constituição e Justiça do Senado em 07.07.2010. Sancionado pelo Presidente da República em agosto/2010.

A aprovação da lei ocorre em contexto da demanda social por maior equilíbrio na participação de pais e mães na formação dos filhos. A Lei 11.698/2008, que estabelece, a guarda compartilhada, bem como a Lei 12.013/2009, que determina às instituições de ensino o envio de informações escolares sobre filhos a pai e mãe, fortaleceu o direito fundamental à convivência familiar.

Portanto, o direito à convivência familiar inclui o direito de permanecer com vínculos tanto com o genitor como com a genitora. É a garantia formal do exercício do poder familiar, mas também o exercício afetivo.

No art. 2°, parágrafo único da Lei n. 12.318/2010 se incumbe de fornecer um rol exemplificativo nos seus incisos (I a VII). A situação é extraída do próprio cotidiano e se expressa na conduta de tentar retirar o outro genitor da vida do filho; interferir no direito de visitas; atacar a relação entre o genitor e a criança e denegrir a imagem do genitor perante filho.

São consequências na criança ou adolescente alienada, um sentimento de raiva e ódio contra o genitor, contendo por vezes impressões ou ideias exageradas do mesmo. As consequências psíquicas incluem a facilidade na aquisição de doenças como a depressão, ansiedade, a dificuldade na obtenção de relações estáveis etc. Há inúmeros estudos que anotam que 80% dos filhos de pais separados já tiveram algum tipo de alienação parental.

 A lei passa a tutelar e inibir os atos de alienação parental e não necessariamente a eventual hipótese de distúrbio ou síndrome, embora seja instrumento também útil em casos assim considerados. Em hipótese de ato de abuso físico contra a criança ou adolescente, ainda que focada em acompanhamento e orientação, independentemente da constatação de sequela. Não se trata de faculdade do Estado pronunciar tais lesões e atuar em denúncias de abuso, ainda que de natureza psíquica.

A percepção do juiz e o exame de tais atos além da superfície, com apoio técnico, se necessário, são decisivos para que se faça a diferenciação parental explícito ou mascarado, como também a intervenção excessiva, a judicialização da convivência íntima.

Tendo a necessidade de apurar a realidade dos fatos, é indispensável a colheita de provas periciais multidisciplinares, com a participação de psicólogos, assistentes sociais e psiquiatras, a fim de que o juiz, com base em seus estudos, relativos à pessoa do menor, bem como do alienador e do alienado, se capacite para que seja possível a distinção da alienação parental.

Bem esclarece a professora Maria Berenice Dias (2008, p.418):

Nesse jogo de manipulações, todas as armas são utilizadas, inclusive a assertiva de ter havido abuso sexual. O filho é convencido da existência de determinados fatos e levado a repetir o que lhe é afirmado como tendo realmente acontecido. Nem sempre consegue discernir que está sendo manipulado e acaba acreditando naquilo que lhe foi dito de forma insistente e repetida. Com o tempo, nem o alienador distingue mais a diferença entre verdade e mentira. A sua verdade passa a ser verdade para o filho, que vive com falsas personagens de uma falsa existência, implantando-se, assim, as falsas memórias. Cabe esclarecer que o rol das medidas inseridas no art. 6 da Lei n. 12.318/2010 é apenas exemplificativo, podendo existir outras medidas aplicadas na prática que tenham o condão de eliminar os efeitos da alienação parental, ou, ainda, pode o juiz promover a conjugação de duas ou mais medidas, que entender necessárias a fim de evitar a proliferação dos danos relativos à alienação parental, na preservação do convívio do menor com o vitimado. Todas as medidas postas à disposição do juiz são para atender o melhor interesse do menor, afastando os malefícios da alienação parental, sendo que, passado o mal, ou seja, não mais evidenciada a ocorrência da alienação parental, poderá o magistrado levantar a restrição imposta, diante da dinâmica própria da vida.

Nessa direção, disciplina o artigo 6°, com sete incisos, que caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta que dificulte a convivência da criança ou adolescente com genitor (a), em ação autônoma ou incidental, o juiz poderá, cumulativamente ou não, sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou criminal e da ampla utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos, segundo a gravidade do caso:

·                Declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador;

·                Ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado;

·                Estipular multa ao alienador;

·                Determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial;

·                Determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão;

·                Determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente;

·                Declarar a suspensão da autoridade parental.

 

O magistrado poderá sancionar uma medida mais branda como advertência, podendo culminar em uma imposição muito mais grave como a suspensão do poder familiar. Outrossim, deve-se garantir, em qualquer circunstância, o contraditório e a ampla defesa, sob pena de flagrante mácula ao devido processo legal.

Note-se que a Lei não determinou prazo mínimo de suspensão do poder familiar, o que leva a crer que tal medida, enquanto afigurar necessária, poderá subsistir, ou até que os filhos atinjam a plena capacidade civil, caso em que, como se sabe, extingue-se o próprio poder familiar (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 618).

No artigo 7°, garante que atribuição ou alteração da guarda dar-se-á por preferência ao genitor que viabiliza a efetiva convivência da criança ou adolescente com o outro genitor nas hipóteses em que seja inviável a guarda compartilhada.

Ressalte-se que dois artigos foram vetados quando da promulgação da lei, quais sejam o artigo 9° e o 10°. O primeiro versava sobre a mediação em caso de alienação parental e foi vetado sob a alegação de que direito da criança e adolescente caracteriza direito indisponível, portanto seria inconstitucional, motivo pelo qual não caberia mecanismo extrajudicial de solução de conflitos. Já o artigo 10° previa possibilidade de prisão, sanção de natureza eminentemente penal, é que havia previsão de criação de um crime no bojo da Lei.

Foi vetado sob a argumentação que uma prisão, traria um sofrimento maior ainda aos filhos, e que se necessário fosse utilizaria emprestado os dispositivos penais do Estatuto da Criança e do Adolescente, que também disciplina o assunto.

 

 

3.1 Guarda Compartilhada – meio de evitar a Alienação

 

A guarda compartilhada, quando aplicada em caso de litígio familiar entre casal, que disputa a guarda de criança ou adolescente, pode ser uma solução viável para se evitar a Alienação Parental. Os intérpretes do direito vêm entendendo que a guarda compartilhada deve ser aplicada em situação de consenso, sob o fundamento de que, desta forma, o genitor e a genitora poderão dialogar sobre os interesses do filho.

Todavia, esta ideia não condiz, sequer, com uma interpretação teleológica da lei. Em verdade, em situação conflituosa, a aplicação da guarda compartilhada, permite que os adultos envolvidos na demanda, assumam e exerçam os papéis (funções) de pai e mãe, independentemente, das contendas existentes entre o homem e a mulher (ou o homem e o homem ou a mulher e a mulher, em caso de união homoafetiva), de modo a atender o melhor interesse dos filhos: não se separar (acepção aqui usada em sentido lato) dos pais.

Com o mesmo pensamento, Giselle Câmara Groeninga (2009, P.105-114), em artigo de sua autoria, aduz:

Em outras palavras, a verdade das relações que deve buscar o processo judicial, e as perícias que o integram, implica na consideração do princípio do superior interesse da criança e do adolescente que, necessariamente, congrega o exercício das funções paterna e materna e, assim, os interesses do pai e da mãe. A separação, termo que uso aqui em sentido lato, implica justamente em um trabalho mental de distinção entre casal conjugal e parental. E os impasses relativos ao exercício do poder familiar pós-separação dizem respeito à dificuldade em distinguir as funções, que se encontravam sobrepostas quando era conjunta a convivência.[3]

A controvérsia jurídica que existia, em relação à guarda compartilhada não ser aplicada nas separações litigiosas, a qual foi dirimida por meio do julgamento do Recurso Especial n° 1.251.000 - MG (2011/0084897-5), no qual restou evidenciado que se deve atender o melhor interesse da criança e não os anseios egoísticos dos pais litigantes.

Quando fixada a guarda unilateral, com práticas de Alienação Parental, a criança ou adolescente poderá sofrer verdadeiro conflito de lealdade em relação ao pai/mãe guardião e ao pai/mãe visitante, temendo ao abandono do primeiro, em detrimento do segundo, caso estabeleça alguma espécie de vínculo com o visitante, então alienado.

O convívio com o filho para os pais separados, deixará de ser arma de vingança, pois ambos terão igualdade de contato e vivência, com a aplicação da guarda compartilhada, fato que impedirá que o acesso ao filho seja moeda de troca ou vingança.

3.2 Projeto de Lei para a Revogação da Lei

 

Em 2020, encontram-se na Câmara dos Deputados os PL’s: 10.712/2018, 4.769/2019, 10.182/2018 e 2.577/2015 com pedido de modificação da lei 12.318/10 e o PL 6.371/2019 com pedido de revogação da referida lei. No Senado, encontra-se o PL 498/2018, que, em princípio, pedia a revogação da lei, mas atualmente pede a sua modificação.

Além da existência desses projetos de lei, a mídia tem levantado a discussão acerca da revogação da lei 12.318/10, sem aprofundamento ou discussão técnica, fazendo surgir a necessidade urgente de amplo debate acadêmico sobre o tema. Tais argumentações acabam por dificultar que se iluminem os pontos a serem aperfeiçoados na lei.

Giselle Groeninga lembra que, em favor da lei, foi enfatizada a importância da participação paterna não só na criação e educação dos filhos, como na maior igualdade entre homens e mulheres; foi apontada a inadequação em tentar destruir um conceito por meio do ataque à reputação de Richard Gardner; foi apontada a presença, senão do conceito nomeado enquanto tal, do fenômeno de exclusão de um dos pais, em geral do pai.

“O que se depreende das críticas tecidas à lei, por ambos os lados, foi a necessidade de sua aplicação menos no sentido punitivo, e mais no sentido de prevenir sua má utilização, devendo-se aplicar outros dispositivos nela previstos, como o acompanhamento psicológico, por exemplo”, aponta Giselle. “Também foi frisada por todos a necessidade de uma boa utilização da prova pericial que, diga-se de passagem, está bem definida na lei.”

Os defensores da revogação quanto aos contrários, concordam sobre a confusão entre a prova pericial prevista na Lei 12.318, a ser realizada por especialistas, e os procedimentos previstos na Lei 13.431, de Escuta Especial e Depoimento Especial, a serem realizados por técnicos formados, mas não profissionais da psicologia e do serviço social. Pois a oitiva e o depoimento da criança e do adolescente não se confundem com uma perícia psicológica.

O Instituto Brasileiro de Direito de Família, se posicionou contrário a revogação da lei, por ser um retrocesso. A proposta fundamenta-se na perda da finalidade da lei, que acaba submetendo crianças ao retorno do convívio com supostos abusadores.

Entretanto, sobreveio um substitutivo ao projeto que propõe dita revogação da Lei da Alienação Parental, que, ao invés de pôr fim à lei, pretende evitar a deturpação do texto.

Segundo o referido substitutivo, qualquer tomada de decisão pelo Julgador só se dará após a oitiva de todas as partes, exceto nos casos em que houver indício de violência, hipótese na qual o suposto agressor poderá ter, até mesmo, a convivência com a prole vedada.

O projeto de Lei 6371/19, de iniciativa da deputada Iracema Portella (PP-PI), que tenta revogar a Lei de Alienação Parental, visa pôr fim a convivência dos filhos com os pais abusadores, que se aproveitam da lei para exigir a manutenção da convivência com estas crianças, além de retirá-las das mães.

Não há dúvidas de que a revogação da referida lei representa um verdadeiro retrocesso ao Direito de Família, pois é sabido que muitas crianças veem-se afastadas do convívio com o outro genitor e o respectivo núcleo familiar por meio de condutas nitidamente deliberadas daquele pai ou mãe que, diante da dificuldade de superar o término do relacionamento conjugal, não empreende esforços para manter de forma saudável a relação que perdurará para o resto da vida: a parental.

 

 

CONCLUSÃO

 

O estudo apresenta uma pequena explanação sobre a Lei n. 12.318/2010 -  Alienação Parental, o qual merece estudos aprofundados e divulgação para a sociedade, especialmente sobre as sequelas que podem ocorrer ao menor e sobre sua importância.

Espera também contribuir para que possa auxiliar aos interessados e futuros operadores de Direito, a buscar a solução mais justa e adequada, a fim de que mais famílias consigam superar a separação sem usar seus filhos como objeto de disputa.

Conforme o artigo 18° do Estatuto da Criança e Adolescente: “É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”, por esse motivo, tantos os estudiosos como as pessoas leigas em assuntos jurídicos que estejam vivenciando ou conhecem alguém que esteja passando por isso, tem a obrigação de auxiliar e buscar ajuda o quanto antes, pois permanecer em silenciou ou inerte, poderá tornar o quadro irreversível e com sequelas enormes ao menor.

É necessários que os pais compreendam e respeitem, o interesse da criança e do adolescente, da proteção integral conferida pelo ordenamento jurídico à sua pessoa, assim como da sua condição de sujeito em desenvolvimento, que mesmo com a separação conjugal e a ocorrência de conflitos, deve-se sempre procurar superar sentimentos mesquinhos e altamente danosos, evitando brigas, intrigas, discussões violentas, trocas de acusações, de maneira a buscar o entendimento e a preservação da harmonia familiar.

Afinal, leis e artigos não são os únicos meios de proteção, e sim os próprios pais, que precisam ter consciência acerca de seus próprios comportamentos e refletir sobre o que estariam fazendo ao utilizar os filhos como peças de um jogo de vingança e ódio.

Há necessidade de levar o conhecimento da sociedade, sobre as consequências da Alienação Parental, através de discussão, ampliando os conhecimentos e debates sobre a importância e a viabilidade sobre essas questões, tanto na comunidade acadêmica quanto fora dela, sempre rememorando a necessidade de proteger a criança e adolescente.

Não esquecer que a Alienação pode correr também com os nossos idosos e jovens, o combate a alienação parental envolve questão de interesse público ante a necessidade de exigir uma paternidade/maternidade responsável, compromissada com as imposições constitucionais bem como salvaguardar a higidez mental dos filhos.

 

REFERÊNCIAS

 

ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR 14724: Informação e documentação. Trabalhos Acadêmicos – Apresentação. Rio de Janeiro: ABNT, 2002.

ALEXANDRIDIS, Georgios; FIGUEIREDO, Fábio Vieira. Alienação Parental. 2. ed. - São Paulo: Saraiva, 2014.

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[1] Pós-graduanda em Direito do Trabalho na UNIFIL, Pós-graduada em Direito do Seguro e Direito Tributário na Universidade Cândido Mendes, Pós-graduada em Direito Previdenciário na UEL, Bacharel em Direito na ISULPAR – Instituto Superior do Paraná, Bacharel em Ciências Contábeis na Faculdade Estadual de Filosofia, Ciência e Letras de Paranaguá/PR. Associada ao Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Pesquisadora no Projeto de Pesquisa “Do Acesso à Justiça no Direito das Famílias” (cadastro sob n. 11742 na PROPPG-UEL). Advogada. E-mail: karynne@ksantosadvogados.com.br

[2] Doutora em Ciências Sociais e Jurídicas pela Universidade Federal Fluminense – UFF. Pesquisadora do grupo Democracia, Cidadania e Estado de Direito - DeCIED e junto ao Instituto Gilvan Hansen - IGH. Docente da Escola de Direito das Faculdades Londrina – EDFL. Lattes: http://lattes.cnpq.br/9731930696524695. E-mail: naty.alfaya@gmail.com.

[3] GROENINGA, Giselle Câmara. Alienação Parental: Revisão Necessária. In: Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões. N° 11. Porto Alegre: Magister; Belo Horizonte: IBDFAM, 2009, p.105-114.

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